“Endureci um pouco, desacreditei muito das coisas, sobretudo das pessoas e suas boas intenções.”
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Peguei a mão de Bill e levantei-me em um salto, apanhei a arma descarregada e sem serventia e a pequena mochila que carregava todos os meus pertences. Uma outra roupa reserva, uma garrafa de água vazia, um celular sem bateria e algumas fotos que eu conseguira salvar.
Segui Bill ate a porta de saída da loja de departamento destruída, ele seguiu na frente com o arco preparado. Chegamos a rua e o cheiro de carne podre tomou conta do ar.
A cidade estava completamente destruída, os corpos se amontoavam em pilhas medonhas e mal cheirosas. Estremeci ao lembrar que quando a noitecesse ou se fizéssemos qualquer barulho todos aqueles mortos estariam acordados e famintos pela nossa carne.
Bill caminhava apressado e vez ou outra virava-se para se certificar que continuava a segui-lo. Eu estava em pânico, me sentia vulnerável na rua, exposta demais. Aqueles corpos me faziam lembrar de quando tudo começou, as pessoas morrendo ou se matando. O desespero tomando conta da humanidade e o governo dizendo que tudo ficaria bem. Eles estavam errados.
Quase uma hora depois estávamos chegando em frente a uma grande casa branca, as janelas foram lacradas assim como a porta.
-Aqui. -Ele sussurrou apontando para a casa em decadência. -É segura, passei o dia todo de ontem lacrando todas as entradas e checando cada comodo. - Não respondi, apenas balancei a cabeça uma vez.
Estava contente de ter outro humano por perto, mas não conseguia confiar em Bill. Todos os meus instintos, ate mesmo os mais primitivos, fora despertos nos últimos meses e a confiança agora era uma coisa que eu desconhecia.
Bill abriu a porta da frente com muito esforço e fez sinal para que eu entrasse. Entrei em uma grande sala de jantar, estava em ruínas, mas dava para notar que ali morara uma família de posses. Estava perdida imaginando como devia ser a vida da família que viveu ali quando Bill me assustou puxando um grande armário ate a porta de entrada. Instintivamente apontei a arma descarregada para ele.
-Calma! É só por garantia. Não queria te assustar. - Suspirei aliviada e me deixei cair no sofá empoeirado que em algum tempo muito distante tinha sido branco. -Então, eu sei que isso não é da minha conta, mas você esta grávida, Mel?
Me assustei com a pergunta e por algum tempo só o olhei procurando as palavras que haviam fugido de mim.
-Não, claro que não. -Respondi com a voz rouca abraçando os joelhos.
-Desculpe. É que a forma como você abraçou a barriga....
-Bom... É meio que uma mania. -Disse corando. - Perdi meu filho algumas semanas antes disso tudo começar.
Bill me olhou espantado por alguns segundos. Parecia atordoado e envergonhado por ter tocado no assunto.
-Sinto muito. -Disse finalmente. - Olha, amanhã eu vou sair da cidade. A comida está acabando e a água também. Não posso ficar aqui por muito mais tempo. Se quiser pode vim comigo.
Recuei quando ele tentou pousar a mão no meu ombro.
-Não vou te machucar. Pode confiar em mim. Não vou tentar nada, é só que faz tanto tempo que não vejo outro humano. Que não toco...
Continuei a olhar-lo assustada, mas não me movi quando Bill tocou a minha mão. Era bom. Eu também sentia falta de tocar alguém, de sentir o calor da pele de outra pessoa. Não pensei muito bem quando joguei os braços em volta de seus ombros e o abracei apertado.
-Obrigada. -Sussurrei.
Lá fora a noite começara a cair e eu podia ouvir os passos daqueles que já foram humanos perto da porta como se quase pudessem adivinhar que estávamos ali. O breu tomou conta da casa e eu diria que Bill não estava mais ali se não pudesse sentir seus braços apertados em volta da minha cintura.
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