“Eu sou uma espécie quase em extinção: eu acredito nas pessoas.”
— | Tati Bernardi |
Em algum lugar no meio do que um dia foi Berlim
Novembro de 2016
Acordei com Mari dando pequenos tapinhas no meu rosto.
-Mas que droga! O que foi? –Perguntei me sentando ma pequena
cama, as velhas molas rangeram e cederam com o meu peso.
-Setor 2 ,temos um paciente novo para você .
Encarei durante alguns segundos o rosto redondo e enrugado
de Mari. A não ser pelo forte sotaque francês, ela era igual a minha avó quando
ainda estava viva.
-Menina, eu to falando com você. Anne! –Ela disse estralando
os dedos gorduchinhos na frente do meu rosto.
-Desculpa. Um paciente?
-É. Todo machucado, sujo e acho que ta em coma.
Mari esbugalhou os grandes olhos verdes, que há alguns anos
atrás deviam ter sido muito sedutores, e afastou uma mecha de cabelo grisalho
do rosto avermelhado.
-Dois minutos e eu vou lá.
Esperei que ela saísse, caminhei até a velha prateleira de
remédios que agora me servia de guarda-roupas e peguei a velha roupa branca e
xaléco que costumava usar quando ainda trabalhava em um hospital no centro de
Berlim .
Aquela roupa ainda carregava consigo o cheiro de álcool e as
manchas de remédio que pareciam não serem apagados com o tempo.
Eu costumava ficar horas e horas cheirando aquelas peças de roupas.
Fazia-me lembra de um tempo não muito distante onde eu era feliz, onde tinha
uma família e um lar, antes da guerra, da bomba,dos grito ...Os gritos ,eles
ainda ecoam no meus ouvidos e me perseguem em meus sonhos .
Prendi os cabelos em um rabo de cavalo alto e segui ate o
setor 2 da antiga base militar que agora servia com esconderijo .Costumava ser
uma sala onde os tanques de guerra eram guardados ,mas agora servia com uma enfermaria
improvisada para socorre os feridos que encontrávamos durante nossas viagens e
para socorre nós mesmo .
Entrei sem fazer barulho e deitado na ultima cama ao lado de
um antigo computador estava o tal paciente de quem Mari tinha me falado.
Aproximei-me de vagar e examinei seu rosto.Não parecia vir de um lugar pobre
,tinha uma pele pálida e apesar dos machucados dava para se notar que era muito
bem tratada ,um longo cabelo castanho-claro caia ate os ombros ,não era muito
alto ,tinha ombros largos e relaxados ,os músculos dos braços e o peitoral
marcavam a camiseta rasgada .
-Europeu. - Disse para Mari que estava parada ao meu lado.
-Um europeu muito bonito. Se eu fosse 30 anos mais nova...
Não pude conter o ataque de risos com a expressão travessa e
o sorriso safado que surgiram no rosto de Mari. Me fez lembra eu mesma com 13
anos de idade.
-Sem gracinha, ta bom?Trás gases e água para mim limpa as
feridas dele.
Esperei que ela saísse e voltei a me aproximar do paciente misterioso.
Estiquei a mão de vagar e toquei com as pontas dos dedos o seu rosto. Lindo. Pela
primeira vez na vida concordei com alguma coisa que aquela velha brincalhona tinha
me falado.
Passei a mão pelo lado esquerdo de sua face e ele se mexeu. Afastei-me
rapidamente, nem sempre as pessoas eram o que pareciam ser ,ele podia ser um
inimigo .
-MARI !-Gritei na porta da enfermaria improvisada.
Do fim do longo corredor surgiu a silhueta gorduchinha correndo
na minha direção.
-Ele acordou?- Ela perguntou entrando no quarto e se apoiando
nos joelhos para recuperar o fôlego.
-Acho que sim.
Virei-me e lá estava ele sentado, me olhando atentamente. Aproximei-me
de vagar seguida por Mari .
-Qual é o seu nome?
-Georg... Eu acho.
Reconheci de imediato aquele sotaque carregado, ele era
alemão assim como eu.
Seus olhos verdes me examinaram de cima a baixo ,pude
perceber quando passou a língua pelos dentes .
-Onde eu estou?-Perguntou finalmente.
-Em um lugar seguro.Agora se puder tirar a camiseta e se
deitar ,eu tenho q fazer alguns curativos em você .
Ele não disse nada apenas fez o que eu havia dito .Prendi a
respiração quando Georg arrancou a velha camiseta e deixou a mostra os ombros largos
e os braços definido .
Ele era quase um convite a fazer coisas das quais eu me
arrependeria depois .
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